Madeira Brasileira - Passado, presente e o futuro da marcenaria com espécies nobres.
O Brasil é uma potência quando o assunto é produção de madeira! Referência mundial em melhoramento florestal e reflorestamento, os climas e os solos brasileiros proporcionam produtividade em tudo o que se planta. Hoje, além do eucalipto e do pinus, que atendem principalmente a indústria, estão em desenvolvimento avançado no país, mais de uma dezena de espécies exóticas e nativas, plantadas para diversas finalidades.
A biodiversidade brasileira de árvores é uma das maiores do mundo, contando com cerca de 8.000 espécies. O Brasil, por vocação, desde seu descobrimento, sempre forneceu madeira para o mundo todo. E atualmente não é diferente, continua exportando madeira nativa de alta qualidade e beleza, acessando mercados internacionais, e ainda, atendendo o mercado interno, para usos diversos. Entretanto, o extrativismo desenfreado tem um preço, e a oferta de madeira no mercado nacional já mostra sinais claros de exaustão: redução do número e mudança das espécies vendidas; diminuição dos comprimentos e larguras; proibição de corte de várias espécies consagradas; grande aumento dos preços; etc.
Desde a década de 70, as grandes empresas compreenderam a necessidade de produzir madeira mais barata, de qualidade, uniforme, com escala, e que pudesse se adaptar à enorme variedade de climas e solos do país. Elas viram isso como uma oportunidade, mas também perceberam que a madeira nativa não era renovável. Seja para a celulose, para madeira de processos (como o MDF), ou para a construção civil, ocorreu um investimento gigantesco no melhoramento florestal e em plantios, principalmente de pinus e eucalipto, que junto à madeira nativa supre as demandas de madeira do mercado atual.
A introdução e oportunidade gerada pela madeira de processos foi tão grande a ponto de transformar o mercado nacional. Hoje, a utilização de madeira serrada nativa para a produção de móveis e construção civil é muito pequena, perto da oferta e consumo de MDF, OSB e painéis. O choque foi tão grande a ponto de mudar estruturalmente as marcenarias, que em sua maior parte não estão mais adaptadas ao uso da madeira serrada. Da mesma forma, o conhecimento e a tradição da marcenaria fina usando madeira serrada foram abalados, com a entrada de profissionais que nunca tiveram contato com a madeira serrada bruta, e a perda de profissionais que brilharam um dia, na arte e no ofício com a madeira, tão valorizada no passado recente. A marcenaria usando madeira serrada tornou-se um mercado de nicho e de hobbistas, e as poucas marcenarias profissionais existentes, adquiriram o status de guardiões das tradições no uso da madeira serrada no país.
Compreender que a madeira nativa no Brasil é finita e de que a produção de espécies de maior qualidade que o eucalipto e o pinus é estratégica, fez com que produtores, empresas e universidades investissem também no desenvolvimento de outras alternativas para a produção de madeira serrada. São anos de pesquisa e desenvolvimento identificando as principais espécies disponíveis atualmente. O próprio autor que vos fala já dedicou 17 anos de sua vida, na silvicultura e pesquisa desse tema. E é um fato: não é qualquer espécie que pode ser utilizada para reflorestamentos. Existem muitos critérios limitantes para escolher uma espécie para esse fim: adaptação, rusticidade, bom desenvolvimento, produtividade, tronco reto, interesse comercial, ausência de pragas e doenças, entre outros critérios. Além de razões silviculturais, também é levada em consideração a legislação e a burocracia no cultivo, de forma que espécies exóticas (estrangeiras) levam vantagem pela simplificação das autorizações, plantio, e corte.
Entre as principais espécies de reflorestamento, cultivadas hoje no Brasil, está uma seleção de madeiras de interesse mundial. Entre as brasileiras estão espécies consagradas pelo mercado, com excelente potencial de cultivo.
Como exemplo, posso citar as exóticas: eucaliptus (várias espécies); o pinus (várias espécies); a teca (Tectona grandis); os mognos-africanos (gênero Khaya, sendo as mais comuns a K. grandifoliola, K. senegalensis , K. ivorensis e K. anthotheca); o cedro-australiano (Toona ciliata); o mogno-asiático, também chamado de cinamomo, ou Santa Bárbara (Melia azedarach); o cedro-indiano (Acrocarpus fraxinifolius); o kiri (Pawlonia tomentosa).
As espécies exóticas foram selecionadas entre as mais cobiçadas e valiosas do mundo em suas origens, não havendo dúvidas sobre sua aptidão e interesse, apesar de pouco conhecidas no país.
Entre as espécies nativas estão: o paricá, ou guapuruvu amazônico (Schizolobium amazonicum); o ipê-felpudo (Zeyheria tuberculosa), o louro-pardo (Cordia trichotoma); a araucária (Araucaria angustifolia); o jequitibá (Cariniana legalis); o guanandi (Calophyllum brasiliense); entre outras.
Existem diferenças entre a madeira nativa na origem, e sua versão de reflorestamento, sendo a idade a principal de todas. A madeira de referência é proveniente de árvores centenárias, produzida em condições naturais, possuindo maturidade, maior densidade, mais cor e estabilidade, em comparação com a madeira de reflorestamento. É necessário, na maior parte das espécies de reflorestamento, que a madeira tenha pelo menos 15 anos de idade para começar a se assemelhar em termos de características físicas e técnicas com a madeira centenária, mas isso não é uma regra e muitas espécies têm sido trabalhadas mais cedo pelo mercado em função de sua oferta regional. Existem grandes oportunidades no comércio e utilização de madeira de reflorestamento de plantios mais jovens, com menor valor de comercialização do metro cúbico.
É importante que o marceneiro interessado perceba que a diferença de idade precede uma adaptação na forma de se trabalhar com a madeira, principalmente em função da menor maturidade. A presença de alburno (branco), o miolo (medula) e presença de nós é mais marcante que nas árvores centenárias. A coloração do cerne também tende a ser menos intensa. Estando a madeira seca, existindo interesse do marceneiro, rapidamente ele dominará seu manuseio e poderá se beneficiar de seu uso. Precisa-se compreender que a iniciativa de cultivo é recente e alcançará condições muito melhores em um futuro próximo. Essa diferença de idade normalmente representa um diferencial e atrativo muito grande no preço, possuindo essas madeiras, preço atrativos e disponibilidade nos mercados regionais diretamente com os produtores.
Frequentemente, surge a questão do porquê não se cultiva cedro e mogno brasileiro, espécies valiosíssimas no mercado nacional e internacional. Isso se deve a uma praga que inviabiliza o seu cultivo em grandes áreas. A escolha de espécies resistentes à praga é excelente negócio por não serem atingidas, além da semelhança da madeira, devido ao parentesco familiar. Esse é o caso do mogno-africano e do cedro-australiano, que apesar de possuírem diferenças, podem ser usadas em substituição das espécies extintas. Atualmente existem espécies alternativas para serem utilizadas em todos os nichos do mercado, pois existem muitas variações de cor, densidade, fibra, para ampla escolha do marceneiro.
Apesar de ser grande a vontade de continuar trabalhando apenas com a madeira nativa e centenária, é preciso compreender que o mundo tem passado por muitas mudanças e que a adaptação é necessária e inevitável. No Brasil o uso das nativas ainda é muito valorizado, mas chegará o momento em que sua utilização será inviável economicamente e ambientalmente incorreta. Valorizar o trabalho dos produtores de madeira sólida, optar por produtos ambientalmente corretos, e contribuir para a economia local, são tendências mundiais que trarão prosperidade, preservação da natureza, e lançam luz para um futuro melhor, onde as decisões dos consumidores tem impacto direto na cadeia consumidora de madeira. O consumidor tem o poder de fazer a escolha correta para o meio ambiente quando ele opta pela madeira de reflorestamento.
Como marceneiro hobbista e pesquisador na área, trabalhei praticamente toda a minha vida com madeiras de reflorestamento, principalmente com o cedro australiano, que foi minha escola. Foi recentemente que comecei a trabalhar com madeiras de árvores nativas. Durante todo esse tempo tive a oportunidade de fazer inúmeras peças sendo constantemente impulsionado a solucionar problemas que talvez não teria, usando madeiras centenárias, mas não tive limitações. Isso foi fundamental no meu aprendizado e me permitiu compreender que é perfeitamente possível utilizar madeiras jovens de reflorestamento, independente da espécie, e que as diferenças com a madeira nativa podem trazer, inclusive, algumas vantagens, como a leveza e a trabalhabilidade. Esses fatores têm grande peso na experiência de quem usa e de quem faz objetos de marcenaria, especialmente no que que se refere à ajustes e capacidade do maquinário.
A madeira serrada de reflorestamento está entrando agora no mercado através de plantios mais jovens e plantas de desbaste dentro do ciclo de produção da floresta. A maior parte das florestas continuam o seu desenvolvimento em campo e a cada ano seu volume e qualidade aumentam mais. Dentro das árvores, existem diversos cortes de madeira possíveis, assim como ocorre na pecuária. O contato com a madeira, assim como tudo que fazemos, carece de repetição e testes, para uma boa compreensão, e ter um único contato com qualquer pedaço de madeira não pode ser sinônimo de seu entendimento. É preciso usar volumes maiores, de pranchas diferentes, algumas vezes de árvores diferentes, para formar opinião sobre a matéria prima e se despir de preconceitos. Dessa forma, convido a todos os marceneiros que tiverem a oportunidade de ler este texto, que testem e, se possível, utilizem a madeira de reflorestamento sob uma outra ótica, compreendendo que este será apenas o primeiro passo de um promissor e duradouro ciclo de utilização da madeira serrada na marcenaria.
Eduardo Stehling é biólogo e consultor florestal na Fuste Woodtech, Consultoria, Madeira e Marcenaria.
Como adquirir madeiras de reflorestamento??? Que estados possuem empresas de reflorestamento e com quais madeiras trabalham???
Bem interessante, precisa ser mais divulgada a forma de aquisição das espécies de madeira de reflorestamento para q nós hobbystas, possamos testar e trocar as centenárias pelas de reflorestamento
O maior problema em tudo isso é que o papel principal da floresta, o estabelecimento de habitat, não é levado em consideração.
É clara a falta desta compreensão por parte de quase toda a população, a madeira neste caso é apenas um subproduto, o que em termos de valor é irrisório.
Vale lembrar que as florestas são as principais produtoras de água potável há alguns milhões de anos, e só para esclarecer o valor que pagamos pela água encanada refere-se apenas ao serviço de coleta, tratamento e distribuição. A água em si tem um valor imensurável.
No entanto, quando estabelecemos plantações de árvores onde o foco é apenas a produção de madeira, estamos negando todos os outros aspectos muito mais…