O Resgate dos Ofícios Manuais
- Gui Siqueira

- 6 de out.
- 3 min de leitura
Ou será que são eles, os ofícios manuais, que estão nos resgatando?

Fazer algo com as próprias mãos é uma necessidade humana. Está em nós desde sempre. Desde os primeiros tempos, usamos as mãos para moldar o mundo: construir, reparar, transformar. Faz parte da nossa essência, mesmo que hoje pareça algo distante.

O cotidiano moderno anda na contramão disso. Vivemos num sistema onde tudo é feito para ser rápido, prático, barato — entregue com um clique. O que importa é o menor custo e a maior escala. Nesse cenário, o “fazer” foi perdendo espaço. E os objetos perderam alma. Deixaram de ser construídos para durar e passaram a ser simplesmente substituíveis.
Ao mesmo tempo, estamos mais ansiosos, mais cansados, mais desconectados. A saúde mental virou um dos grandes temas do nosso tempo. E talvez parte desse mal-estar venha justamente do quanto nos afastamos de processos reais e concretos — daquilo que exige presença, paciência e envolvimento.

É aí que os ofícios manuais entram. Não como moda ou nostalgia, mas como uma resposta. Quando a gente segura uma ferramenta, sente o peso da madeira, observa o fio de uma lâmina, ou entrelaça um tecido, alguma coisa se reorganiza por dentro. É um respiro. Uma pausa necessária. Um contato verdadeiro com o presente.
Na Forjaria Escola, testemunhamos isso todos os dias. Pessoas de diferentes perfis e trajetórias chegam buscando um hobby, e acabam vivendo algo mais profundo. Uma reconexão com o tempo, com o próprio ritmo, com a alegria de construir algo com as próprias mãos, do começo ao fim.
Claro que nem tudo é simples. Muitos mestres e artesãos incríveis não conseguem realizar seus cursos por falta de alunos. A divulgação ainda é um desafio, e a cultura do consumo imediato continua predominante. Em muitos casos, o objeto final parece mais valorizado que o processo que o criou. E isso precisa mudar.

Existe também a questão do acesso. Os cursos têm preços justos, coerentes com o tempo, os materiais e a dedicação envolvidos. Mas mesmo assim, ainda são inacessíveis para uma parcela do público. Pensar em formas de ampliar o acesso, sem desvalorizar o trabalho de quem ensina, é uma das grandes questões para quem vive e promove o “fazer”.
A boa notícia é que estamos vendo um movimento crescente. Há cada vez mais pessoas interessadas em entender como as coisas são feitas, em valorizar o tempo do processo, em se aproximar do trabalho manual como uma forma de bem-estar e aprendizado. E isso é bonito de ver. O mundo ainda corre demais, mas tem gente decidindo ir na contramão, com as mãos firmes, calejadas e felizes.
São essas pessoas que mantêm vivos os ofícios. Que escolhem criar. Que encontram no fazer um espaço de respiro, de troca e de transformação.

Talvez todo este movimento não seja só um resgate do passado. Talvez seja, na verdade, um caminho possível para o futuro, um futuro mais consciente, sensível e humano. E talvez não sejamos nós que estamos resgatando os ofícios, talvez sejam eles que estão, aos poucos, resgatando todos nós.
Para terminar, deixo aqui um convite: seja na Forjaria Escola ou em qualquer outro lugar do "fazer", sigamos fazendo, construindo, aprendendo e principalmente compartilhando. Cada gesto conta. E você faz parte disso.

Gui Siqueira
É multi-artesão baseado em São Paulo e fundador da Forjaria Escola
Esse artigo foi publicado na 3ª edição da Revista da MEGA Feira de Hobbismo





Excelente! Se puder acrescentar, diria que produzir algo com as mãos, assim como a leitura e a escrita, são parte do processo de aprendizagem, do processo cognitivo humano. É essencial para as gerações futuras, quem produz e ensina está deixando um legado inestimável para nossos descendentes.