Design de projetos e Anatomia de madeiras, qual a relação? #2
- Diego Romeiro
- 11 de ago.
- 3 min de leitura
Atualizado: 13 de ago.
No último artigo, pudemos notar que a escolha de orientação das células criou áreas de alto risco de cisalhamento devido aos cortes do design. Que foi intensificado pela escolha da espécie Cordia alliodora, que possui raios largos, camada de crescimento com parênquima marginal, e arranjo tangencial dos vasos.

Normalmente, nos projetos realizados com madeira, buscamos peças que possuam o maior alinhamento das células possível no sentido longitudinal da peça. Isso porque, quando as células estão todas alinhadas ao comprimento da peça, a propriedade física que determina a resistência é a de ruptura. Nesse mesmo sentido temos a resistência a flexão também, mas essa apresenta a carga que a madeira suporta, podendo retornar a sua forma original.

A diferença entre a resistência a ruptura e a resistência ao cisalhamento (quando o alinhamento das células não está alinhado ao comprimento da peça) é em média 10 vezes menor. Utilizando o conhecimento das características anatômicas, podemos prever de forma aproximada como a madeira pode se comportar.

Precisamos lembrar que existe uma diferença entre alinhamento das células numa peça de madeira e grã. Pois isso é algo que gera muita confusão.
Embora a grã também seja uma propriedade que caracteriza a organização espacial das células na madeira, ela é uma das propriedades organolépticas (características percebidas pelos nossos sentidos) das madeiras, que é utilizada inclusive para identificação das espécies. Ou seja, é um fenótipo (características visuais geradas pela interação do ambiente e a genética de cada espécie) específico de cada espécie, mesmo que algumas espécies possam apresentar mais de um tipo de grã.

A grã de uma espécie não muda conforme o corte da madeira, o que pode mudar é a orientação das células, devido a uma tortuosidade do tronco ou saída de ramo que alteram a orientação das células em um plano de corte. Porém, a grã, que é uma característica genética, permanece a mesma. A grã ainda pode influenciar nas propriedades físicas da madeira, por exemplo, espécies com grã revessa tem uma tendência a ter maior resistência ao cisalhamento por conta do entrelaçar das células, diferente de espécies de grã direita que podem ter menor resistência ao cisalhamento. Mas isso não é uma correlação perfeita, então é sempre bom saber a espécie para poder obter informações em bancos de dados.
Voltando ao projeto, teríamos duas abordagens possíveis para sanar problemas de fendilhamento e cisalhamento, a primeira modificar o design para que sejam acrescidos elementos de reforço para compensar as fraquezas da madeira. Segunda, a troca de espécie, para uma espécie menos susceptível, ou com maior resistência ao cisalhamento.

Aqui estou trazendo a primeira opção, com duas alterações possíveis sem alterar o design geral, que agregam reforços estruturais para mantermos a espécie escolhida de madeira.
Encaixes em espiga são uma ótima opção, neste caso em específico, escolhi um processo que cria quase um sistema de laminação da madeira, uma forma muito eficiente de aumentar a resistência mecânica da madeira. Este tipo de laminação pode ser utilizado sempre que criamos um projeto com fraquezas estruturais, como peças curvas e em ângulos que se utilizam de uma única peça de madeira.

Essa fraqueza estrutural acontece pois, no geral, o alinhamento celular não irá acompanhar o corte em curvas ou angular desejado. Em alguns casos, podemos até utilizar uma única peça para fazer estruturas curvas, mas nesse caso devemos procurar peças já naturalmente curvas, ou utilizar técnicas de curvamento da madeira, pois assim teremos alinhamentos celulares que acompanham o design do projeto.
Podemos ver nas imagens os dois modelos, um que mantém quase o design original, e uma variação com um semi-encaixe a 45 graus, criando um efeito mais delicado ao design. Porém, ambos os projetos criam um sistema que aumenta a resistência mecânica.
Vale lembrar, que hoje esse tipo de reforço ainda se beneficia com as novas colas, que trazem tecnologias de maior adesão, garantindo uniões estáveis a longo prazo e com resistência a umidade e oxidação.

O ideal, antes de cada projeto, é aparelhar a madeira para visualização dos padrões celulares, fazer a caracterização anatômica no topo da madeira para identificar possíveis fraquezas de crescimento, e só então marcar os cortes respeitando todas características anatômicas desejáveis para peças estruturais.
Com esses passos anteriores podemos reduzir riscos, aumentar a longevidade do projeto e ainda alcançar o máximo potencial da matéria prima, diferenciais que podem trazer o projeto a sua excelência, aumentando assim os retornos financeiros e prestígio nos designs.
Gostaria de aproveitar para agradecer ao Guto do @_ateliejunqueira_ ,por ceder as fotos do primeiro artigo e ao Ricardo @ricardomorcegao pela ajuda na elaboração das imagens do design.

Diego Romeiro
Biólogo, Mestre em Botânica, Identificador de madeiras, e Marceneiro
Esse artigo foi publicado na 3ª edição da Revista da MEGA Feira de Hobbismo

